quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Amores de Papel -Margarida Rebelo Pinto

Cheguei a casa com as tuas flores de papel presas no coração. Escolhi uma jarra antiga, e plantei-as na sala onde descanso, sonho e trabalho.
As tuas flores são enormes, generosas, simpáticas e guardam o teu perfume. Sempre que passo por elas, o teu cheiro entra pelo meu corpo e enche-me de bem estar. É sempre cheia de bem estar que me sinto quando penso em ti, na tua alegria, generosidade e beleza, mesmo que o nosso amor seja feito de papel como estas flores.
Não precisamos de o regar todos os dias, nem de adubos, nem cortar os caules. Nem sequer precisamos de água, o nosso amor é quase imaterial, tu aí e eu aqui, milhares de quilómetros por terra e duas horas e meia de voo.
Quando te vejo, o meu amor desenhado no papel torna-se real, ganha vida, cor, textura e cheiro e somos só um na mesma casa, siameses a passear na rua, gémeos a conversar, namorados a dormir. A nossa vida enche-se com a do outro e tudo o que desejamos é que o outro esteja tão feliz como nós. Depois, quando me separo, já não choro. Sei que o que pode acontecer é um mistério da existência e quanto menos planear, mais sorte vou ter. Demoro alguns dias a descer à terra, vou ao supermercado e encho o frigorífico para disfarçar o vazio no coração e escrevo muito, porque enquanto escrevo é como se aqui estivesses ao meu lado, gémeos a dormir e namorados a conversar, a lareira acesa e a paz de uma continuidade sonhada, porém possível.
É um amor de papel, frágil e opaco, leve e branco, feito de ideias, de sonhos, de esperança e de muitas cores. Um amor sem planos nem projectos, quase adolescente, intenso, puro e perfeito, que não precisa de provas nem palavras.
O amor é um acto de fé, uma manifestação de esperança. É como plantar uma semente. Por isso, a última vez que te fui visitar, também trouxe uma caixa de bolbos para plantar no meu jardim. Estou atrasada porque o Inverno já começou, mas pode ser que tenha sorte e na Primavera a minha entrada em casa seja um festival de cores e aromas. Algumas flores vão morrer, outras vão ser mais pequenas, mas sei que as mais fortes vão vencer o frio e germinar com grande beleza e generosidade. E sei também que por esses dias te vou ver por aqui, a ensinar-me a cuidar delas, tu que cuidas do meu coração melhor do que ninguém e nem sequer sabes.
O nosso amor é de papel, como as flores que me deste e no papel há-de ficar, para sempre escrito nas minhas palavras. E se um dia se transformar em qualquer outra coisa, será sempre numa outra forma de amor, porque o papel vem das árvores, mas o amor vem do amor e nunca morre, mesmo depois de cortado, prensado e transformado, porque amor é como plantar uma semente e tu já plantaste a tua no meu coração.

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