quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

o fio dos dias- margarida rebelo pinto

São sempre tão compridos quando não te vejo, meu amor, e tão curtos quando chegas, apesar de conseguires fazer parar sempre os ponteiros do relógio ou até de os pores a andar ao contrário - parece-me que isso aconteceu outro dia, quando me encostaste à parede da entrada, mas não tenho bem a certeza, porque o amor cega e ensurdece e uma pessoa só ouve duas coisas, a batida do seu coração e a batida do coração do outro, que como bate a par com o nosso, acaba por ser só uma – por isso afinal talvez nem se tenham movido, porque sempre que tu chegas paras o tempo, os ponteiros têm medo de continuar a andar, por isso imobilizam-se, suspensos pelo fio da eternidade, à espera que tu saias e os deixes continuar a dar sempre a mesma volta, fechados dentro do relógio e deve ser por isso que se queixam, tic-tac,tic-tac, quem sabe, à espera que um dia alguém lhes abra o vidro e lhes resgate a liberdade, com a mesma doçura com que abres as portas do meu coração, quando entras, no fim dos dias compridos que morrem à tua chegada.

Nem sempre preciso de te ver, porque o amor que cega e ensurdece também mostra coisas que mais ninguém vê e eu vejo-te a trabalhar, a olhar para o relógio, a ver as horas a passar e a contar os minutos que faltam para que te abram o vidro do mostrador e resgates a tua liberdade, e depois vejo-te a entrar no carro e a abrir a janela, respirando fundo o ar que te traz até mim, anunciando na brisa mais inesperada o teu regresso a casa.

São sempre compridos mas sempre cheios, porque mesmo sem estares aqui os enches com a tua voz, que ficou pendurada num quadro, ou o teu sorriso, escondido entre dois livros, fica tudo guardado e registrado, é assim o amor, guarda sempre o melhor, por isso quando chegas, meu amor, pareces o ponteiro dos minutos, o mais ponderado porque se se atrasa não é grave como o das horas e se se adianta não é impaciente como o dos segundos e eu sou como a mulher do guerreiro, a vida ensinou-me a esperar, a compor fio a fio num enorme tear um manto que estará sempre meio bordado e meio por bordar, só para te poder ver chegar.

Por isso não corras, não te apresses, não partas o vidro do mostrador antes da hora, não te entristeças com a distância nem sintas pena de mim por te esperar tanto, porque o tempo é sempre pouco quando sei que estás próximo, os dias bons são os que te trazem até mim e todos os dias me trazem sempre algo de ti.

Às vezes interrogo-me onde vou buscar tanta serenidade na espera, como é que ainda acredito que posso cruzar a realidade com a perfeição, de onde vem toda esta luz que me transforma num farol e faz com que chegues sempre são e salvo, sem nunca, por uma vez que seja, te enganares no caminho. É que o amor, que às vezes também se engana, há outras em que acerta sem precisar do relógio, e quem sabe se nós não acertámos no tempo, no espaço e no modo, como fazem os nossos corações quando me encostas à parede e eu vejo tempo parar, suspenso num eternidade só nossa que me faz pensar que afinal valeu a pena esperar tanto tempo por ti. Por isso a espera é quase nada e quase tudo, é a tua imagem no ar, a tua luz no escuro, um fio firme e esticado que me vai guiando pela vida. A espera é só o tempo de deixar crescer aquilo que há de ser. E é sempre pouco, quando se tem tanto para dar e receber.

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